09 maio 2006

Dossier de vida


De vez em quando tenho uma recaída sobre o pensamento de todo o dossier de vida que carrego comigo e sobre como cheguei até quem sou hoje.

Cada término foi sempre ponto de partida para um novo início e cada início um grito, uma revolta. Fiquei quase sempre de alma lacerada cada uma das vezes de que me lembro, amarguei os lábios no fel, uma e outra vez, e não me consigo esquecer do grito: breve mas cortante, umas vezes ensurdecedor, outras inaudível; retalhou-me-me a alma e dei aos corvos os pedaços rasgados do ser que perdia, absorvido na sua capa de negritude. Talvez por isso ficou sempre uma parte do ser por regenerar, a alma pode ser eterna mas isso não a torna completa, só as vivências o podem fazer ou até, pelo contrário impedi-la de se completar. Consigo até aceitar a noção de predestino para partes da vida que me foi concedida, houve factos que me modificaram o viver em que a minha intervenção nunca poderia ter efeito algum sobre os mesmos, como o simples facto de ter nascido; não me coíbo todavia de renegar a predestinação como um facto absoluto, sempre fui da opinião de que parte do nosso destino somos nós que o fazemos e é nesse poder de decisão que pende o destino que construímos ou que destruímos e que criamos as revoluções que vão estabelecendo quem somos e o que vivemos.

Dito assim parece simples, o complicado mesmo é viver tendo por premissas o facto de não estarmos sós no mundo, de que na verdade o amor é muito mais complexo do que o ódio, até pelos dilemas que o simples facto de amar coloca, e que a dor de perder os que amamos ou o seu amor não tem comparação com mais nada.