Encontro
Há noites
em que me encontro
em que me sei
por momentos ser eu,
não que me procure
ou tenha propósito
necessariamente
de me encontrar,
porque ao fim e ao cabo
me sinto sempre perdido
e o costume de dias sem rumo
generalizou já o meu ser,
eu vagueio ao rumo
de quem na verdade
desconhece qualquer orientação
mas basta um qualquer sinal
uma luz, um cometa
uma voz
um rasgar na escuridão,
e encontro-me.
só então me sei ser:
jamais o que fui
jamais passado
e nunca futuro
amanhã foi palavra que larguei ao vento
e ficamos esquecidos
por vezes encontramo-nos,
eu e o futuro,
e tenho sempre uma sensação de dejà-vu,
passamo-nos ao lado
sem palavras
sem olhares
sem sentir,
a rua é estreita
e os corpos esguios
quanto o tempo permite
às presenças
que se proibem
ao contacto
e ao desejo
não se tocam
mas ficam no chão
rastos separados
e tempos diferentes
sós
hoje, eu
o futuro, amanhã
ficarei esquecido,
não me importo,
num canto do tempo
nas rezas e nas preces
eu, hoje,
só
sem lágrimas
sem tempo
contas perdidas
nos papeis outrora escritos
quando esperava grandiosidade
e amor
e na mesa do café
deixei um adeus e uma vida
sim, aí chorei
e extinguiu-se o passado.
a noite, outrossim,
é constante do meu ser
vivência dos sonhos
dos idílios
a que me entrego,
filho órfão, eu que
um dia adoptei a noite
abjurei até os pesadelos,
aliás os efialtas
apenas me perseguiram
aos meus oito anos
assombros de uma única noite
de terrores e suores
deles um que não esqueço
e nunca me abandonou
porém de teor irrelevante
para constar
da composição da alma
que componho
numa alquimia
eu que fundo o ouro em cobre
e a alma no nada
e das palavras faço morte
e dos papeis vazio
ao vento as letras
e as contas
números mágicos
desabitados
plenos de nada,
agora
certo dia
naufraguei numa tempestade de luar
e achei-me sem barco
e sem praia
ao sabor das vagas, naveguei
só então me soube no entendimento
do quanto é importante viver
e mesmo aprender a esquecer
- carpe diem!
e eu gozo a noite
não é contradição
mas de verdade
já não conheço o dia
não me sei a haver solstício
ou renascer
de sol que perdi há já muito
entreguei-me à noite intemporal
perdi o temor
da cadência das horas,
e creio-me a vaguear
para além da existência da alma
e pensamento que sou
sob a cobertura da noite
por vezes sei-me contente
eu que toquei já a grandiosidade
e agora sou nada
perdi a lua e o sol
e dos meus astros apenas
restam as estrelas
no céu pinto rastos de cometas
desenho constelações
e recito ao luzeiro
canções de embalar
paro,
sento-me e espero:
creio um destes dias
me encontre de novo
e numa dessas vezes
talvez perceba mesmo
quem sou de verdade
porque aqui estou
e o que é o amor.
1 Comments:
Suas palavras tocam a minha alma de modo aveludado, como uma leve carícia, como um doce beijo de adeus! Vc me impressiona! Bjos.
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