27 maio 2006

Azul, como azul de paz

Adoro esta sensação ao final de um dia: - a imensidão da areia que se prolonga mar adentro, o bater das ondas nas rochas, a espuma em branco sobre azul, a prata nas águas em mais um dia que se espreguiça e se deita; e a brisa traz consigo uma canção de mar que acalma a alma. Posso repetir vezes sem conta que nunca me canso desta paz em tons de azul.

19 maio 2006

Encontro



Há noites
em que me encontro
em que me sei
por momentos ser eu,
não que me procure
ou tenha propósito
necessariamente
de me encontrar,

porque ao fim e ao cabo
me sinto sempre perdido
e o costume de dias sem rumo
generalizou já o meu ser,
eu vagueio ao rumo
de quem na verdade
desconhece qualquer orientação

mas basta um qualquer sinal
uma luz, um cometa
uma voz
um rasgar na escuridão,
e encontro-me.
só então me sei ser:
jamais o que fui
jamais passado
e nunca futuro

amanhã foi palavra que larguei ao vento
e ficamos esquecidos

por vezes encontramo-nos,
eu e o futuro,
e tenho sempre uma sensação de dejà-vu,
passamo-nos ao lado
sem palavras
sem olhares
sem sentir,
a rua é estreita
e os corpos esguios
quanto o tempo permite
às presenças
que se proibem
ao contacto
e ao desejo
não se tocam
mas ficam no chão
rastos separados
e tempos diferentes

sós

hoje, eu
o futuro, amanhã


ficarei esquecido,
não me importo,
num canto do tempo
nas rezas e nas preces
eu, hoje,

sem lágrimas
sem tempo
contas perdidas
nos papeis outrora escritos
quando esperava grandiosidade
e amor
e na mesa do café
deixei um adeus e uma vida
sim, aí chorei
e extinguiu-se o passado.


a noite, outrossim,
é constante do meu ser
vivência dos sonhos
dos idílios
a que me entrego,
filho órfão, eu que
um dia adoptei a noite
abjurei até os pesadelos,
aliás os efialtas
apenas me perseguiram
aos meus oito anos
assombros de uma única noite
de terrores e suores
deles um que não esqueço
e nunca me abandonou
porém de teor irrelevante
para constar
da composição da alma
que componho
numa alquimia
eu que fundo o ouro em cobre
e a alma no nada
e das palavras faço morte
e dos papeis vazio
ao vento as letras
e as contas
números mágicos
desabitados
plenos de nada,
agora


certo dia
naufraguei numa tempestade de luar
e achei-me sem barco
e sem praia
ao sabor das vagas, naveguei
só então me soube no entendimento
do quanto é importante viver
e mesmo aprender a esquecer

- carpe diem!
e eu gozo a noite
não é contradição
mas de verdade
já não conheço o dia

não me sei a haver solstício
ou renascer
de sol que perdi há já muito

entreguei-me à noite intemporal
perdi o temor
da cadência das horas,
e creio-me a vaguear
para além da existência da alma
e pensamento que sou
sob a cobertura da noite
por vezes sei-me contente
eu que toquei já a grandiosidade
e agora sou nada
perdi a lua e o sol
e dos meus astros apenas
restam as estrelas


no céu pinto rastos de cometas
desenho constelações
e recito ao luzeiro
canções de embalar

paro,
sento-me e espero:
creio um destes dias
me encontre de novo
e numa dessas vezes
talvez perceba mesmo
quem sou de verdade
porque aqui estou
e o que é o amor.

12 maio 2006

Da intermitência das memórias






Dos momentos da vida ficam as palavras e alguns gestos talvez, o resto perde-se nos sorrisos fechados e nas palavras mudas; sabes, minha amiga, os sorrisos foram feitos para ser abertos, rasgados: só num sorriso pode haver salvação. Tudo o resto se perde volátil como as luzes que viajam na noite e as almas sem ardor no coração.


09 maio 2006

Dossier de vida


De vez em quando tenho uma recaída sobre o pensamento de todo o dossier de vida que carrego comigo e sobre como cheguei até quem sou hoje.

Cada término foi sempre ponto de partida para um novo início e cada início um grito, uma revolta. Fiquei quase sempre de alma lacerada cada uma das vezes de que me lembro, amarguei os lábios no fel, uma e outra vez, e não me consigo esquecer do grito: breve mas cortante, umas vezes ensurdecedor, outras inaudível; retalhou-me-me a alma e dei aos corvos os pedaços rasgados do ser que perdia, absorvido na sua capa de negritude. Talvez por isso ficou sempre uma parte do ser por regenerar, a alma pode ser eterna mas isso não a torna completa, só as vivências o podem fazer ou até, pelo contrário impedi-la de se completar. Consigo até aceitar a noção de predestino para partes da vida que me foi concedida, houve factos que me modificaram o viver em que a minha intervenção nunca poderia ter efeito algum sobre os mesmos, como o simples facto de ter nascido; não me coíbo todavia de renegar a predestinação como um facto absoluto, sempre fui da opinião de que parte do nosso destino somos nós que o fazemos e é nesse poder de decisão que pende o destino que construímos ou que destruímos e que criamos as revoluções que vão estabelecendo quem somos e o que vivemos.

Dito assim parece simples, o complicado mesmo é viver tendo por premissas o facto de não estarmos sós no mundo, de que na verdade o amor é muito mais complexo do que o ódio, até pelos dilemas que o simples facto de amar coloca, e que a dor de perder os que amamos ou o seu amor não tem comparação com mais nada.

02 maio 2006

Futuro

O teu exercício sobre um contínuo renascer das águas, da paz que se conquista nos momentos conseguintes, fez-me pensar sobre o que a mim me faria morrer e renascer.
A plenitude que te envolve depois do baptismo, como as paredes do vácuo envolvem o universo lembram-me um sentimento remoto.
Nostalgia de amigo perdido.
Já não é a primeira vez que te tento escrever.
E que depois me falta a coragem.
Deambulo pela blogosfera e surpreende-me que as pessoas estejam cheias de coisas para dizer, umas mais interessantes que outras.
Mas que tentem dizer o que lhes acontece é bonito e digno de admiração.
Parece que só sei escrever quando as coisas me tocam, quando me acontecem coisas comigo lá dentro.
Cada vez mais só sou efectiva naquilo de que estou próxima.
O resto perco a coragem ou preciso tanto de imaginação que fico cansada só de fazer um rascunho.
O que não quer dizer que não abra os noticiários e que não veja que, um pouco por todo o mundo, grassa a falta de espaço para os seres humanos se realizarem enquanto tal.
Sei que há um dia em que vou sair deixar o sítio onde nasci.
E sublinho que não será para a morte.


P.S. Quando a foto que sugeriste estiver pronta, eu também estou. Para a tentar fazer falar.